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Dois de Ouros



O caminho misterioso não vai para dentro, mas para fora, não entra nos labirintos, mas sai deles. O caminho misterioso sobe por frias névoas de hidrogênio, braços de espiral rotativos e supernovas que explodem. A última etapa foi um tecido de macromoléculas autoconstruídas.



("Maya", Jostein Gaarder)







quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Mito de Sísifo

Sísifo, óleo sobre tela, de Tiziano Vecellio


Na mitologia grega Sísifo desafia os deuses e é condenado a carregar uma pedra montanha acima. Quando finalmente chega ao topo, a pedra rola de volta à planície. Ele leva a rocha novamente para cima e ela rola mais uma vez para baixo. E assim ele fará eternamente, como castigo.
Albert Camus escreve que Sísifo somos todos nós:

O Mito de Sísifo
Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. No caso deste, só vemos todo esforço de um corpo tenso ao erguer a pedra enorme, empurrá-la e ajudá-la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada; vemos o rosto crispado, a bochecha colada contra a pedra, o socorro de um ombro que recebe a massa coberta de argila, um pé que a retém, a tensão dos braços, a segurança totalmente humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse prolongado esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a meta é atingida. Sísifo contempla então a pedra despencando em alguns instantes até esse mundo inferior de onde ele terá que tornar a subi-la até os picos. E volta à planície.
É durante esse regresso, essa pausa que Sísifo me interessa. Um rosto que padece tão perto das pedras já é pedra ele próprio! Vejo esse homem descendo com passos pesados e regulares de volta para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora, que é como uma respiração e que se repete com tanta certeza quanto sua desgraça, essa hora é a da consciência. Em cada um desses instantes, quando ele abandona os cumes e mergulha pouco a pouco nas guaridas dos deuses, Sísifo é superior ao seu destino. É mais forte que sua rocha.
Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria a sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo.
Assim como, em certos dias, a descida é feita na dor, também pode ser feita na alegria.
(...)
A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.
(O mito de Sísifo, de Albert Camus; tradução de Ari Roitman e Paulina Watch - 6ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2008.)